quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Dentro da lágrima

 Ao som de Madness

"I can't get this memories out of my mind
And some kind of madness
Has started to evolve
And I...
I tried so hard to let you go
But some kind of madness
Is swallowing me whole"

Depois de tanto tempo (quanto tempo mesmo?) ela lhe olha no olho....ele do outro lado da rua, pode sentir que é enxergado por ela como se eles ainda vivessem dentro um do outro, como se todos aqueles anos (quantos anos mesmo?) não tivessem sido fortes o suficiente. A respiração fica arfante, o coração acelera, as borboletas dançam a música já conhecida por ambos. A brisa que suspira por eles passa cantando "eu te amo", A música, só esta música, a música que jamais teria outro significado e que foi evitada por eles em todos esses anos.  
Estão parados. Chocados. Quase mortos, mais vivos que nunca. Ela de um lado da rua, ele do outro. Muitos anos, todos os anos, meses...a aparência de ambos não mudou muito. Ela mudou a cor do cabelo mais uma vez, nada muito chocante, os cabelos cresceram. Ele, seus cachos pelo rosto daquele jeito brincalhão, jovem e ao mesmo tempo preguiçoso de cuidar de si. Ela pensa "porra, vou começar a chorar...não...segura a onda, já faz tanto tempo. Quanto mesmo?". Ele não pensa nada, pára pra se escutar, escutar seu corpo reagindo a ela, a tudo que ela lhe significa.  Quem é ela que avança sobre a aurora dos tempos?
Ela levanta a mão, acena sem graça. Ele também acena. Ela atravessa a rua, o vestido balançando-lhe o quadril, como se ela deslizasse não pela rua, mas por todos seus sonhos perdidos sobre eles, sobre suas esperanças trocadas. Ela continua linda. Ele ainda é o mais bonito da faculdade pra ela. Mesmo que já esteja terminando sua pós graduação. 
Oi
Oi
(Caralho... - os dois pensam juntos)
Aquele tipo de conversa nunca era das mais fáceis de se ter..eu nunca saberei o que eles conversaram. Eu não posso adivinhar quantos anos se completaram até esse momento. Mas eu estou lá, ao lado dela, olhando tudo, chorando por ela, tocando no cabelo dele, olhando a cicatriz da orelha dele, pensando que ele podia se vestir só um pouquinho melhor e sorrindo por isso.
Eles riem juntos, tudo parou. O brilho nos olhos chicoteando lembranças em ambos. A risada doce partilhada no arrepio do encontro. Nada mudou. Tudo mudou. Não é a mesma coisa. Nunca mais será. Ela sentiu todos os dias aquela dor que é como se o coração diminuisse todos os dias menos de um milimetro, como se o sangue fosse empurrado ao invés de fluir livremente, como estar presa dentro de si mesma. As lágrimas seguradas na frente dos amigos quando de repente se lembrava de um beijo, de um banho, de uma brincadeira boba no metrô...O Vômito impedido que é segurar o choro, o grito que tenta ser calado. O coração assim apertadinho de estar perto dele, de dividir o mesmo ar, o suor que derrete a pele. 
Ainda é estranho pros dois se verem daquele jeito, como se ainda tivessem assuntos pedentes, beijos pendentes, transas pendentes, promessas pendentes, desejos pendentes, surpresas pendentes. Ela, rainha por domínio, hoje não quer mais do que abraça-lo. Não pode. Vai chorar. Não pode. Nem pensar. Mas é só o que ela mais quis, em todo esse tempo. Poder abraça-lo, sentir o cheiro do perfume, que não é mais aquele que ela deu, passar o dedo por um de seus cachos como se pudesse deita-lo em seu colo e fazer aquele carinho de sempre dos anos em Macondo.
Perdida Macondo, de sonhos frustrados. Eu enterrei você. Eu quis me livrar de você, mas o vento não vinha nos levar. Só vinham as memórias, as palavras mal ditas e benditas. Eu quis ser tudo em você, o essencial, o amor primordial, toda a sua vida. E quanto mais eu tentei te afastar, mais me lembrei de você. E quanto mais te procurei em outras pessoas e outros lugares, mais percebi o quanto ninguém poderia me dar o que você me deu, ou ser o que você é, quem você é. Mas mesmo assim o tempo passou, a chuva sem fim chegou, o fim dos nossos tempos, o começo da desconstrução. As memórias foram sendo arrancadas aos poucos, algumas foram resistindo e outras começaram a ser inventadas por mim, imaginando toda uma vida que nem sequer aconteceu, com um homem que nem sequer era você, mas era. 
Ela sonhou com aquele dia, de milhares formas diferentes. Com ele a maltratando, com ele acompanhado de outra mulher, com ele a beijando na boca, sorvendo tudo que lhe restava, suas últimas forças. Nunca soube como seria, então essa foi mais uma...
Mais uma lembrança vivida dentro da milésima última lágrima antes do ano acabar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário