sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Desvenda-me. Devasta-me.

Ao som de Bliss
"Give me

All the peace and joy in your mind

I want the peace and joy in your mind

Give me the peace and joy in your mind

Everything about you resonates happiness

Now i won't settle for less"

Eles se odeiam, mas pior que isso, se desejam por amor. Ela se entrega inteira ao penhasco de suas lembranças, de suas dores. Ele foge, corre. Ela lhe impede:
Me fode agora
Ele puxa ela pelo cabelo, e mete por trás. Os dois de pé, ela consegue senti-lo inteiro, comendo sua alma.
Me bate
Ele diz não. Não te obedeço mais, nunca mais. Pega nos seios dela, os aperta com força. O quarto meio escuro, a luz da lua entrando iluminando-a em seu gozo. 
Eu quero a morte, ela pensa
Ele a arranha nas costas e começa a mordê-la, enquanto continua metendo bem devagar, mas entrando com muita força. Ela passa as mãos pelas pernas dele e reclina a sua cabeça devagar, completamente insana. Ele lambe de leve sua orelha.
Me mata, me mata agora! AGORA!, ela sussurra dentro de si.
Ele sai de dentro dela, e começa a balançar a cabeça negativamente com um olhar sádicamente penoso. Ela ajoelha-se perante ele, o olha daquele jeito que poucas mulheres conseguem de maneira tão natural e coloca o pau dele inteiro na boca, vai lambendo-o, beijando, olhando pra ele. Ele imóvel, começa a arfar, pode controlar seu rosto, mas nem tudo depende de controle, não é meu bem? ela lambe ele nas bolas, de leve, só a ponta da lingua do jeito q ele gosta, arranhando suas pernas como num carinho. Volta a engoli-lo, repetidamente. desejando cada vez mais senti-lo gozar em sua boca. Sentir a essencia da vida descendo pela garganta.
Ele a puxa bruscamente para cima, e a joga de quatro na cama. Ela mal vira o rosto e ele já está dentro dela de novo. Ela geme, geme furiosa. Prazer e raiva lhe tomam. Lhes tomam. Quem está no controle? e disso que se trata não é mesmo? Então com raiva ele lhe acerta na bunda, a bundinha arrebitada, rendondinha de ninfeta, que ela impina tão bem pra ele entrar cada vez mais rápido. Ela geme mais alto. Ele puxa-lhe o cabelo e diz: mia pra mim, feito uma gata. Geme feito uma gata. Ela obedece, quase sem abrir a boca. Vai gozar, gozar rápido.
Ela sai de dentro dele e vira de frente. Deita na cama e vai se afastando. Ele a olha maliciosamente.Ela o diverte, a quimica entre ambos é tão forte quanto a repugnancia que sentem um pelo outro. Ele vem por cima, ela lhe dá um tapa na cara. Filho da puta! Ele a olha com mais desejo, ela divertida. E vai devagar, brincando com a cabeça na entrada da sua buceta, passando, deixando entrar só um pouco. Ela lhe finca as unhas nos ombros. 
Mete, caralho! Mete! Porra! 
Ele pára. olha pra ela com aquele sorriso cretino e entra. Entra devagar, sentindo ela se contorcer. Ela gozou, ele pode sentir ela pulsando. Ela revirando os olhos, seu corpo inteiro se entregando à ele. Quem mais amou e odiou, quem mais conhecia, agora um perfeito estranho. Desgraçado ainda conseguia desvendar-lhe, mesmo sendo ela quem o desvendou pela primeira vez. Ele continua. também vai gozar. Sai de dentro dela e a põe de bruços.
Enfia o pau todo molhado por entre a bunda dela. A dor latejante. O grito se misturando ao gemido. Seu cuzinho é meu, só meu...ouviu, sua puta? diz que não está gostando, q é pra eu parar! vai, diz. Sua vagabunda, rebola pra mim. Ela em extase, nao sente mais seu corpo. Depois de anos, ele volta assim, todo mudado, um completo cretino, me fode desse jeito e ainda come meu cu. E como é bom e horrível q seja com ele. Onde aprendeu tudo isso? caralho, tá muito gostoso....foda-se.
No meio de tudo, ele vai gozar, ali se fazendo de durão. Esquece completamente quem cada um é. Goza se entrega inteiro ao corpo dela, às saudades veladas, enterradas onde o que é selvagem vive. Tudo volta num instante, o namoro, os anos, tudo que sorriram, que sentiram juntos, toda dor, todas as brigas....Tudo, em cinco segundos de um orgasmo infinito que só poderia sentir mesmo com ela.
Ele sai de dentro dela, ela desfalecida, vira de frente pra ele, em seu segundo orgasmo. Começa a gritar. Por que você veio aqui? o que você queria com isso?  Termina o que você começou, pode levar tudo o que é meu. Só a você eu me entregaria desse jeito, você percebe? e só você conhece minha alma e meu corpo desse jeito. 
Ele de pé, uma lágrima escorre por seu olho...ele de pé, Ela se levanta, lagrimas lhe lavam o corpo devastado por ele. Estão de frente um pro outro.
Maquinalmente e ao mesmo tempo. Ambos tiram o coração do outro com a mão. Sentem pulsar em suas mãos, todo o poder que poderiam querer ter em relação ao outro. 
Ainda nus, começam a comer, devorar o coração alheio, ali mesmo. o sangue se mistura com as lágrimas e com o gozo. Estão se lavando. Finalmente se perdoando, se deixando para trás. Esquecendo o que foi ruim e o que foi bom. Estão se tornando o outro, se invadindo da vida do amor perdido, esquecido. Da tormenta das noites. Dos pensamentos, das lembranças avassaladoras.
Devastando-se pela dor, por amor, pela esperança e pelas promessas perdidas. Desvendando-se, entendendo-se. Compreendendo toda alegria e dor que causaram um ao outro.
O coração, a esfinge de cada um. 
Preferiram a segunda opção:
Devoraram-se.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Te vento em mim

 "Perdido rio
de você, ah meu rio
Você é meu rio
e eu, pedra de rio"

Fez-se um ano que ele se foi. Se foi com o vento, como dor que passa e não volta. Graças a Deus não volta, pai. Meu pai. Você morreu. Eu fiquei. Tudo bem. Tanta coisa aconteceu desde que você morreu. Sonhos se foram, novos nasceram. O amor passou, a dor se fez nova força em mim. Força destruidora, reveladora, me coloriu de tristeza e esperança. Força devastadora, me ensina todos os dias o que você tanto alertou no seu silêncio, na sua espera, no seu vício.
Eu quis tanto te salvar, nos salvar. Fazer felicidade dentro de ti, dentro de mim. Cresci feliz tristeza... você se destruindo eu brincando de me libertar de você, da minha mãe, nossa prisão. Violentados, excluídos. Você se tornou alguém substituível e eu te procurei nos colos amigos, nos ombros alheios, nos beijos enamorados. Não encontrei meu sossego, nem minha paz, pai. Experimentei felicidade, o gosto doce ainda está aqui na minha boca sedenta. Será que você chegou a ser feliz? Pai, hoje eu preciso de perdão. Me perdoa? Perdoa meus erros, minhas fraquezas...me perdoa por falhar nos meus sonhos. Eu não desisti, pai. 
Chorei tua morte desesperada por uns seis meses. Passou. Aceitei quem sou. Aceitei quem você foi. Toda dor se cura quando queremos. O tempo é arbitrário, me disse um amigo. Tempo rei, senhor de tudo, menos de mim. Meu tempo é outro, pai. O tempo da dor e da alegria, da fraqueza e da fortaleza. Sou tudo e nada, pai. 
Eu sei que Deus cuida de você. Cuida de mim hoje, pai. Por favor. Pedi tanto do senhor e você me deu tudo que podia, que conseguia. Sua fraqueza me fortaleceu na dúvida. Na falta de fé pensei em você, pensei na nossa relação, no único sonho que ainda não matei em mim. Tanta coisa aconteceu, pai....tanto passei sem você, e pela sua morte paguei com minhas conquistas. Perdi tudo, todas lágrimas derramei. Pai, tudo será meu de volta. Tu és o exemplo ruim e o melhor. Eu forço tudo, eu pressiono, eu vou até o final, eu não desisto...eu não quis ser como você. Mas hoje eu quero. Eu quero ser um pedacinho do que você foi. Do seu silêncio de dor, da sua paciência, da sua honestidade, da sua redenção. Pai, hoje eu te peço: me ensina tudo. Tudo. Toda sabedoria que me falta. Toda alegria que eu procuro ansiosa. Todo sossego que eu rejeito.
Deixa eu sonhar com você hoje. Amanhã faz um ano. Eu prometi não chorar, pai....mas todo meu rio é por você. Toda meu destino foi traçado graças a você, graças a sua confiança em mim. Eu sei que você desistiu no final. Tudo bem.... tudo bem...aprendi a perdoar, pai. Me perdoa também.
Eu vou vencer nossa dor, nossa desilusão...todo nosso fracasso. Eu me recupero de tudo, o senhor sabe. Sabe tudo, nem preciso lhe falar, você assistiu tudo de dentro de mim. Mas hoje queria seu colo, seu ombro, seu abraço que nunca veio. E eu desejei orgulhosa e vaidosa...mas não pedi. Tão mesquinho, egoísta tudo isso de querer. Quero aprender com você a abdicar, a desistir do que não pode ser nosso, do que resiste a nossa força e à própria força.
Quando eu comecei a me reerguer me puxaram pro abismo de volta, pai. Mas tudo bem. Tudo bem. Vai ficar tudo bem. Eu tomo conta de mim. Sempre foi assim. Quando precisei, me virei, fui dona de mim. Quando quis conquistei, não esperei. Quando doeu, me curei. Eu estou diferente, pai. Eu mudei. Tanta coisa aconteceu. Eu precisei duvidar de mim pra ver que tinha razão. Eu precisei me matar, pro meu sangue voltar a pulsar dentro de mim. Eu vivi na morte. Eu venci nosso fracasso. Mas não me perdoei por ele.
Pai, dorme em paz. Já faz canto nossos sonhos. Deus me sopra no ouvido todas lembranças avassaladoras. O vento sopra em mim tudo de bom que tivemos...e só assim consigo seguir. 
Pai, segue dentro de mim. Não me abandona jamais. Estamos fadados a esse amor doído, deixa ele ser sol em nós.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Oração

Deus, me liberta dessa dor, desse castigo sem amor que é viver sem ele. Me fortalece na minha fraqueza, pois sou fraca e insegura e preciso dele para sorrir. Me deixa ir, Senhor, para mais perto de Ti, me faz sua filha, seu bem maior, me protege dos meus anseios e desejos mesquinhos, me tira desse redemoinho em que me enfiei.
Pai, ajuda que na hora certa eu saiba ser mais honesta e sinta a verdade sobre nós. Afasta os pensamentos falsos e mais ainda as pessoas mentirosas e maldosas de mim e dele. Transmite a ele como um sussurro que ainda o guardo e o cuido como nessa oração. Do meu coração tira a vaidade e mais ainda essa saudade que me escraviza e perturba, desasossego que amputa toda minha calma e ardor. Liberta, Senhor, leva a dor embora, não consigo mais enxergar qualquer aurora no que há ainda porvir. Por favor, meu Deus, tira de mim, do meu coração, toda essa invasão, esse aperto que me aprisiona e não me deixa passar um dia sem me lembrar dele. Apaga essas memórias, que eu me lembre delas como se fossem histórias distantes de mim. Sana meus sonhos, não aguento mais ver seu rosto me olhando longe assim. Só quero poder acordar sem essa vontade frenética de soluçar por não tê-lo por perto, certo, dizendo que me ama e adora e que tudo de ruim será jogado fora e que não desistirá de mim.
Tira de mim essa necessidade de ouvir a voz dele, de querer olhá-lo como se nada tivesse mudado, de mexer nos seus cabelos encaracolados e senti-lo dentro de mim. A saudade do seu gosto está me matando, mas nem por isso estou sangrando, pois esvaziei-me de mim. Por favor, amansa-lhe o coração para que ele me perdoe pelo o que causei a nós. Não consigo me libertar, nem se fosse o Senhor que me perdoasse. Me culpo todos os dias pela minha fraqueza e por essa dor e mesmo que eu não consiga eu quero que ele siga sendo o melhor de mim.
Nossa senhora, cobre-me  com teu manto. Sê uma mãe pra mim e mais ainda pra ele, para que ele assim se lembre de todo meu zelo e amor. Maezinha, é mais a Ti que peço, que afaste e renegue as pessoas mais mal intencionadas que só estão interessadas em implantar uma mágoa que nunca deve existir. E por isso mais ainda, afasta os sentimentos ruins de nós: a mágoa, a tristeza e o rancor....eu só quero o que for bom e doce, pois esse gosto amargo deve ser tirado de nossos corações.
E Lhe imploro: me invade de paz, me deixa confiar em quem mais confiei. Confiar nas lembranças boas, mais lindas que já tive e que o que sentimos é e foi real.
Deixa-me abandonar em Vós, para que quando eu fraqueje eu nao prejudique mais aquele que ainda amo, e mais ainda a opiniao que ele tinha sobre mim. 
Que as lembranças que me invadem vão embora, não aguento essa demora de poder voltar a respirar sem dor. Penso todos os dias na morte,não na minha nem na dele, mas na nossa, como um espírito que me roda sem me deixar ter qualquer pensamento feliz. E os poucos que tenho são mal interpretados e por isso mal levados e (talvez) mal encarados por ele. Meu Deus, toca-lhe o coração, se não, toca no meu, me livra, liberta, por favor, está doendo. O pouco de esperança que me resta é em Ti.
Me sossega, me acalma, tranquiliza. Que toda vez que desejar me dirigir a ele que ele queira o mesmo e venha até mim, para que não pense que não o respeito, nem em sua única vontade de estar longe de mim.
Que as lágrimas que escrevem essa oração pintem em mim uma canção de força e sabedoria. Quero entender seu tempo e plano, Meu Deus, mas a minha ansiedade me cega, me faz ignorante do que pode ser melhor para nós. Faz de mim uma mulher melhor, mais paciente, mais silenciosa, me perdoa. Me perdoa por ser assim inaceitável, ruim, insuficiente. Me completa, Senhor, me enche de paz. Acalma. Eu quero dormir apenas. Me aliena, me deixa esquecer o que passou, o que eu vivi. Mesmo que eu não queira. É  o que ele quer de mim. Eu quero satisfazê-lo. Ser mais do que eu posso ou consigo ser. Liberta, Meu Deus, liberta.
Então nessas rimas porcas, porem sinceras, é que eu peço a Ti, meu Deus, que leve embora todas essas dúvidas e me preencha esse vazio sem fim. Faz um milagre em mim, faz um milagre por nós em nós. 
Amém

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ela morre no fim


"Dedico-me à cor rubra muito escarlate [...] e portanto dedico-me ao meu sangue"
Clarice  Lispector, " A hora da estrela"


Camila olha a lâmina da faca. É uma faca grande, bonita...a lâmina reluzindo, seduzindo-a pedindo a ela um beijo de misericórdia
Camila lambe a lâmina da faca....devagar, passa sua língua com amor pela lâmina. O gosto do ferro, do aço, o gosto das facas. Ela sente. Sente o gosto se misturar com o gosto de saliva. Termina de lamber e consegue se olhar no reflexo do metal: ela, patética apaixonada pela faca, por sua lâmina imortal. Camila poderia ser imortal se eu quisesse. Ela se olha na lâmina, seus olhos refletidos no frio da lâmina, seus olhos também lâminas frias que julgam. Julgam a si mesma julga a todos ao seu redor. Está obcecada pela faca, pela sua onipotência, seu poder, sua integridade. Camila era incompleta, a faca era inteira, perfeita. O seu reflexo não é perfeito na faca, a faca não quer refletir sua rival. Ela está fissurada pela faca. Desfigurada pela faca. Ela quer ser perfeita também. Passa a lâmina pelos seus pulsos, de leve se acariciando com a faca. Quer fazer amor com ela . Camila está nua e está passando a faca pelos seus seios perfeitos , a lâmina brinca com seus mamilos rosados. Camila desce a faca até seu ventre e sente a lâmina fria escorregar pelo seu órgão sagrado...ela sobe a faca até seu pescoço. Agora ela não está mais brincando. Quem manda em quem agora? A faca, entidade pagã dominando Camila em toda sua cristandade. Ela passa agora com força por seu pescoço, lentamente quer sentir cada gota de seu sangue escorrer pelo seu corpo. O gozo vermelho descer até o ventre violado. Camila se olha no espelho: o pescoço intacto. A faca ri dela. Sua lâmina reflete seus olhos. Eles estão sangrando. Seus olhos estão sangrando. O sangue escorrendo pela face, passeando pela garganta cortada e vazia. Brincando por seus seios...não chegam ao ventre. Camila está vazia. Lágrimas espessas de sangue tocam sua boca, misturando-se ao gosto recente de ferro e saliva....
É obvio que Camila está sonhando. Eu quero que ela esteja.
Ela acorda. Não subitamente, nem apavorada com seu sonho. Apenas se levanta, se olha no espelho e sorri. Um meio sorriso malicioso como se ela fosse capaz de entender todos os mistérios da vida. Ainda sente o gosto de sangue sujo de ferro e saliva. Sente percorrer lhe as veias. Está viva. É claro que está. Está morta apenas por fora. Seu sangue está pulsando dentro dela, ela ainda pode sentir. Ainda.
Camila só se chama Camila por que me lembra camomila. Ela sabe que eu existo. Ela me chama de Deus. De sangue. Ela só se chama Camila por pura ironia, típico clichê literário que ela é.
A faca está esperando por ela. O punhal entre a vida e a morte. Essa linha tênue fascina Camila. Ela está tão viva que quer morrer. Quer ser dona da verdade do mundo. Só a sua verdade não basta. Por isso ela se entrega a qualquer um, a qualquer pessoa qualquer.  Ela quer a vida dentro da morte. Na morte é que se vive de verdade, ela pensa. O sexo é vida em morte. É morrer e renascer. Ela se transcende na cama, com as pessoas...sente os homens entrarem nela e pensa: isso não é por prazer, isso é pra me manter viva e pra me manter morta. Esse gosto de sangue e ferro e saliva e porra e azedo. Camila quer ser maltratada , ela pede por dor, ela precisa de dor para seguir. Viver é brincar de morrer todos os dias. Ela não se espanta mais, ela só sorri. Esse meio sorriso cretino. O mesmo que ela dá a esses filhas da puta que comem ela. Eles pensam que ela teve um orgasmo ou mil. Ela ri desesperadamente. Gargalha da estupidez alheia. Eles pensam que é por prazer, ela só está se mantendo viva. O verdadeiro orgasmo virá quando ela for dona de sua própria estória. Destinadora de si mesma.
Camila acabou de descobrir que é apenas uma personagem. Que sua existência depende de mim. Ela sorri. Aquele meio sorriso. Ela não se surpreende, ela exigiu sua existência.
Camila nunca grita, a sua voz não se levanta. Ela está condenada a falar no mesmo tom calmo. Quando ela quer gritar ou chorar ela sorri. Ela ri. Ela dança. Ela tira fotos suas nua. Ela é bonita. Extremamente. Eu criei a perfeição em Camila. Mas ela é vazia. Vazia de tudo, vazia de si. Ela cheira a baunilha. E tem gosto doce. Extremamente doce. Mas ela é incapaz de sentir mais do que isso. Ela nunca vai poder gritar. Ela não consegue se irritar. Ela só sente o insosso e o caos da vida.
Eu poderia fazer Camila se apaixonar. Mas seria impossível. Eu faria todos a quererem. Eles pensariam que ela é perfeita, com esse meio sorriso enigmático e nunca grita, só ri: Camila é doce e calma como camomila. Ela goza infinitamente, ela aguenta horas calada. Todos os homens ridículos vão amá-la e os dois seriam cheios de vazio.
Camila pega a faca na sua mesa. Ela está acordada. Começa a se esfaquear. Transgride todo seu corpo. Esse é o grito de Camila. Ela está gritando. Mas ela é vazia. Seu sangue não escorre. Ele não existe. Ela se esfaqueia, mas o sangue não escorre, ele não existe. Ela é vazia. Ela está vazia de vida. Então ela dá aquele meio sorriso e espera a morte... O preenchimento de si mesma.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Laços de família


"Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça."
(trecho da crônica Pertencer de Clarice Lispector)

Como Clarice, nasci de graça. Nasci no tempo errado das flores murchas sussurrando um suspiro de morte, de dor alegre. Só depois, muitos anos depois de nascer é que saberia que também, assim como Clarice, falhei na missão de curar minha mãe e só hoje percebi que também deveria ter salvado meu pai e falhei. Falhei em minhas missões essenciais.
Pior do que isso, nasci ladra: roubei tudo de meus pais, em especial de minha mãe – lhe roubei a beleza do corpo, lhe roubei suas lagrimas com o gosto das amêndoas de seus olhos (o gosto dos amores contrariados), seu cheiro em suas roupas e no nosso cobertor dividido. Roubei o dinheiro e o único sonho do meu pai, o qual ainda não realizei. Só hoje eu consigo sentir esta trava na minha garganta, a trava que todos sentem quando perdem alguém que se ama tanto e (clichê) só se percebe na hora em que partem. Esta trava, esta sensação de que não se respira, mas que na verdade mal se vive neste lugar sem a pessoa que morreu.
Nasci ladra, baixa e imoral, brincando de viver sem perceber que brincava de roubar, usurpar, dissimular e sorrir. Antes não queria sonhar com meu pai, tinha medo de enfrentar seu julgamento. Qual julgamento? Julgamento nunca veio nem nunca virá porque lhe roubei o bom senso nos momentos de amor que tivemos. Hoje imploro a Deus a chance de poder lhe abraçar mesmo que em sonho e sentir sua barba mal feita, meio grisalha (clichê: morreu tão novo!) nas minhas mãos pequenas e sujas – o carinho que lhe neguei enquanto ele vivia e sem perceber roubava lhe e me roubava a mim mesma.
Hoje entendi porque a minha mãe me odeia: ela me vê como a maior ladra de sua historia. Roubei-lhe o marido, suas chances (chances de que? Todas elas), sua beleza, fui a lugares que ela nem conhece, mas que agora sonha conhecer desde a sua infância negada. A mim nada foi negado e o que não foi eu roubei, tomei como meu de suas mãos ásperas e pesadas que pesaram sobre minha alma e meu corpo seu ódio e raiva pelo dolo, por ter sido roubada pelo fruto do seu ventre.
Hoje ela me odeia mais ainda, pois o que restou do meu pai, seu marido, será meu e não dela: estou roubando dela sem querer, sem saber e sem nem por que suas lembranças, seu reinado e suas historias com o homem de sua vida. Nossa vida, a vida que roubei pra mim com o gosto amargo das amêndoas de julho.

sábado, 31 de março de 2012

Um sonho mais real do que nós dois


"Un-break my heart
Say you'll love me again
Un-do this hurt you caused
When you walked out the door
And walked outta my life
Un-cry these tears
I cried so many nights
Un-break my heart, my heart"

(Unbreak my heart - toni braxton)

Como eu gostaria que as coisas fossem diferentes entre você e eu. Mas só essas coisas de nunca em sempre. Você pensa que eu te ligo pra te cansar, machucar, atrapalhar e provocar. Eu te ligo porque eu queria que alguém me ouvisse. Eu não mudei, meu bem. Você está assim tão diferente...eu não choro assim desde que o meu pai morreu. Eu quis escrever pra ele, mas acabou tudo: acabou com ele tudo que eu tinha pra falar... eu queria que ele tivesse me ouvido também.

Eu aqui ansiosa, sem saber o que fazer até você chegar. Você longe preferiu ficar com as pessoas que você odeia a vir até a minha casa. Eu ainda estou esperando, tá? Eu estou aqui esperando você. Você parece que já desistiu, você fala assim que tudo isso te cansa muito e que são coisas tão pequenas...eu queria que fossem também.

Eu também estou cansada, muito cansada...eu sonhei com o meu pai hoje, eu senti o rosto dele na minha mão, eu queria que ele estivesse aqui como no meu sonho. Acho que ele veio me acalmar porque eu fui dormir chorando. Ele sabe que eu sinto a falta dele, você também sabe que eu sinto a sua. Você se aproveita disso, humilha meu sentimento. Eu acho que o fim está se aproximando e você não me preparou pra isso, você só foi mudando assim pra longe de mim e ficando com as pessoas que eu odeio.

O meu pai às vezes fala nos meus sonhos, hoje ele disse assim: calma filha larga isso aí e vamos embora a gente vai se ver de novo ainda...eu não lembro direito, a gente nunca lembra direito de sonho, foi tão rápido. Eu passei a mão no rosto dele, ele vestido do jeito que ele ia trabalhar ou sair, estava tão bem. Perfeito. a gente não tem mais isso não é? Se eu tocar seu rosto, você não me acalma mais. Você me deixou aqui sozinha esperando você, sua preguiça e sua irresponsabilidade.

Você aí almoçando em um shopping caro com a sua família odiosa e eu aqui sozinha em casa, meu almoço foi meu ovo de páscoa. Melhor parar por aqui, se não você vai dizer que eu estou mais uma vez me fazendo de vítima, exagerada e maluca bla bla bla só eu estou enxergando tudo isso não é? Ou você está fugindo do conflito mais uma vez? Eu tenho medo eu sinto medo eu tenho insegurança eu luto contra isso e você? você almoça com sua família odiosa só pra demorar pra ter que vir me encarar. É por isso que eu não consigo ser feliz e por isso que eu odeio tudo também não é? Eu sei que é isso que você acha, você já deixou isso bem claro.

Eu não quero ter mais raiva nem chorar até dormir. De que vale tudo isso? Nossa vida só é um sonho na minha cabeça junto com tudo que eu já sonhei e desisti mais de uma vez... eu sonhei com o nosso casamento ontem, com outro homem me conduzindo eu sonhei sobre nós, sobre o dia em que você estaria do meu lado sem se sentir obrigado, cansado, pressionado e calado. Neste dia até o meu pai estaria lá, e ele dançaria um bolero comigo. Ontem eu chorei enquanto dançava, ninguém percebeu. Você também não perceberia, mas eu queria que você estivesse lá. Eu queria ter podido abraçar alguém...aquela musica...aquelas lembranças....esse sonho...eu senti o rosto dele, pareceu verdade e eu sabia que era um sonho. Deus está deixando meu pai vir me visitar, preencher meu vazio. A falta que ele faz que você também faz. Eu sinto sua falta.

Acho que chegou a hora de desistir, mas eu não consigo você sabe disso e por isso não tem pressa pra vir aqui me dar alguma explicação. Você aí racional só pensando no quanto eu amolo a sua vida. Eu queria que você viesse aqui e se humilhasse pra mim, implorasse meu perdão e dissesse que nunca haverá mulher mais perfeita do que eu, mais quebrada do que eu, mais feia do que eu, mais idiota do que eu. Quem gostaria de ter alguém como eu? Por que você ainda está aí tão longe? Vem aqui e enfrente seu ultimo conflito, confronto, briga...eu nunca vejo desse jeito, eu não consigo ficar fingindo felicidade pra ninguém, nem mesmo pra você que é meu único motivo pra sorrir.

Vou pedir pro meu pai me deixar implorar pra você ir embora. Eu queria ver só uma vez que você tem medo, mas do único medo essencial, medo de me perder. Uma rosa não significa muito quando ela começa a murchar. O meu pai se foi e ele só existe nos meus sonhos agora. Mas você que está vivo só existe agora nos meus sonhos também. Acho que murchamos.